O dia que a Nigéria parou para ver o Rei do Futebol
- Felipe Sapia
- 1 de out. de 2020
- 4 min de leitura
O dia 4 de fevereiro de 1969 é um dia marcante para todos os amantes do futebol, em especial, aos santistas. Para entender melhor o que aconteceu nessa data, é necessário compreender o contexto histórico da África nos anos 60. O clima do território africano já estava pesado desde 1967 por causa da Guerra Civil Nigeriana (ou Guerra do Biafra), que começou por causa do conflito político na tentativa de separação de províncias da Nigéria.
Manchete "A Gazeta Esportiva" de 1969. / Reprodução
O Santos estava no seu auge, os mundiais de 62 e 63 pesavam muito para a sua reputação e eles eram os atuais bi-campeões do Campeonato Paulista (nessa época, o título deste torneio ainda tinha um peso enorme). Além disso, temos que considerar que o Peixe tinha grandes craques como: Lima, Carlos Alberto Torres, Clodoaldo, Edu e, claro, Pelé. Por isso, era comum o Peixe sair pelo mundo fazendo turnês para arrecadar dinheiro, afinal, quem não queria ver o time de Pelé jogar? No ano de 1969, o destino escolhido foi a África Ocidental e, após um enorme sucesso em sua primeira ida ao continente africano, os santistas foram convidados a ir para Nigéria.
O primeiro "milagre" feito pela equipe santista aconteceu logo na chegada na República Democrática do Congo, país onde sua turnê começou. A Crise do Congo assombrava a população nos anos 60, foi um conflito responsável por aumentar a fome e a miséria no país. Logo na chegada, o Santos conseguiu uma trégua entre o exército dos militares e a oposição, para que conseguissem atravessar a capital sem que houvesse uma troca de tiros.
Antes de causar a segunda trégua, o Santos fez 5 jogos e os resultados foram:
19/01/1969 - Santos 3 x 2 Seleção Nacional do Congo
21/01/1969 - Santos 2 x 0 Seleção "B" do Congo
23/01/1969 - Santos 2 x 3 Seleção Nacional do Congo
26/01/1969 - Santos 2 x 2 Seleção da Nigéria
01/02/1969 - Santos 1 x 0 Seleção de Lourenço Marques
Uma lenda que envolve o primeiro jogo da turnê é a seguinte:
“Pelé, cansado dos pontapés, sentou em campo, sendo imediatamente imitado pelos seus companheiros. Sem saber o que fazer, o árbitro parou o jogo. E logo foi surpreendido com um bilhete trazido da arquibancada que dizia: “O Santos de Pelé está aqui para dar um espetáculo. Eu estou aqui para assistir o espetáculo. Se você não aplicar as regras do jogo, vai sair preso do estádio”. Quem escreveu e enviou o bilhete ao árbitro foi ninguém menos que Marien Ngouabi, o presidente do Congo.”
Santos e "Os Leopardos" (Seleção Nacional do Congo), Acervo Santos FC / Reprodução
A ida à Nigéria não estava nos planos do Alvinegro Praiano, mas, olhando o cenário de alta que a equipe vivia, as pessoas envolvidas com o clube notaram que seria benéfico aceitar a proposta do governo nigeriano. O fato curioso é que o convite foi uma tentativa de melhorar a imagem do governo para a população, afinal, o clima em Benin City, cidade muito afetada pelos conflitos, não estava nada bom. O autor do livro Almanaque do Santos FC, Guilherme Nascimento, explicou a situação.
"Eles queriam que o Santos voltasse à nação porque havia um movimento separatista para formar a República de Biafra, no enclave do território nigeriano. Nessa cidade, a guerrilha de Biafra tinha um grande movimento organizado."
A partida entre Santos e Seleção do Centro-Oeste da Nigéria terminou 2 a 1 para a equipe brasileira. Os jogadores relataram que o campo era arenoso, semelhante a um gramado de várzea do Brasil, mas nem a má condição do terreno impediu que o show do Peixe acontecesse. A equipe comandada por Pelé fez seus dois gols logo no primeiro tempo e sacramentou a alegria de aproximadamente 25 mil pessoas.
Site Oficial do Santos FC / Reprodução
Relatos contam que tal evento foi tão importante para a população nigeriana que o governador da região, tenente-coronel Samuel Ogbemudia, decretou feriado durante toda a tarde do dia em que o Rei Pelé entraria em campo. Além disso, ele também permitiu que todas as pessoas atravessassem a ponte que ligava Benin à cidade de Sapele, para que assim, todos, sem exceções, pudessem ver o jogo.
O mais curioso dessa história é que os jogadores contam que não sabiam da existência dos conflitos, eram informados apenas na chegada ao país. Edu, um dos grandes atacantes do time e considerado um dos maiores dribladores da história, citou em entrevista:
“Lembro bem que o empresário falou que alguns países que gostariam de nos ver jogando estavam em guerra. Mas ele conversou com as autoridades e fizeram uma trégua nos combates”.
Além de Edu, Lima, o eterno Curinga da Vila, também contou sua versão:
“Combinamos entre os jogadores e eles [responsáveis pela equipe] prometeram que não haveriam riscos. De fato, não houveram problemas, pelo contrário, fomos maravilhosamente bem tratados lá,"
Entretanto, infelizmente a trégua durou apenas o dia do espetáculo. Os jogadores daquele elenco contam que conseguiram ouvir os tiros, que simbolizavam o fim da trégua, logo que levantaram voo para o retorno ao Brasil. Mesmo assim, tal evento foi importantíssimo para a história do futebol e, principalmente, para o Santos Futebol Clube. A história foi passada de geração em geração de torcedores através do canto das arquibancadas:
"O meu Santos é sensacional! Só o Santos parou a guerra, com Rei Pelé, bi-mundial, o maior time da Terra! É o meu amor, primeiro amor, eterno amor, Santos!"
Faixa "O Único a Parar uma Guerra" Santos FC / Reprodução
Esse episódio prova a todos que futebol nunca será apenas um esporte. Na dúvida, quando todas as esperanças em relação à parte técnica estiverem perdidas, lembre que os sentimentos causados durante uma partida são capazes de parar guerras. Então, valorize o esporte e viva o futebol!
Oi Fê não sabia desta história, bem legal
Muito bom!!!!