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Democracia Corinthiana: O Futebol e a Política

  • Foto do escritor: Felipe Sapia
    Felipe Sapia
  • 4 de nov. de 2020
  • 4 min de leitura

Embora muitas pessoas acreditem que futebol e política não se misturam, já é mais que certo que isto está errado. A visão de que o esporte é apenas um veículo de entretenimento não deveria nunca ter existido, pois, como já expliquei em meu texto Panteras Negras do futebol: a importância do negro para o esporte, desde o primeiro momento em que o negro deixou de viver apenas nos campos de trabalho braçal e passou a jogar futebol, que até então era um esporte elitista, a visão de apenas entretenimento parou de existir para dar espaço para as causas sociais e políticas, mesmo que indiretamente.


Isso pode ser provado analisando a história do futebol brasileiro. Na Copa de 70, o técnico João Saldanha, que tinha 100% de aproveitamento com a Seleção nas eliminatórias, foi demitido 6 dias antes de embarcar para o México. A justificativa foi a não convocação de Dadá Maravilha, mas o buraco era bem mais profundo. Saldanha era secretamente filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e, como o Brasil passava por uma ditadura militar, tal filiação era inaceitável para o governo.


Indo um pouco mais à frente na história, damos de cara com o assunto de hoje, a Democracia Corinthiana que, liderada por Sócrates, fez com que o clube paulista ficasse marcado na história política do Brasil com as campanhas a favor da volta do direito ao voto para presidente.


Os jogadores politizados do SCCP - Reprodução / Jornal Opção

Tudo começou no início dos anos 80 quando o Brasil clamava pelo fim da ditadura militar e, até então, o futebol não ousava se meter na política de forma tão direta e clara. Isso mudou quando Vicente Matheus deixou de ser presidente do Corinthians, contra sua vontade, e se tornou vice do Waldemar Pires. Vicente aceitou ser vice porque acreditava que, por ter muitos anos dentro do clube, ele que mandaria em tudo e não o Waldemar, mas isso não aconteceu e a mudança na presidência marcou o início de uma nova era no clube.


Ao assumir o cargo, uma de suas primeiras escolhas foi convidar o sociólogo Adilson Monteiro Alves para ser diretor de futebol. A importância de Adilson é indiscutível, afinal, por ser uma pessoa com a mente muito mais aberta que os cartolas da época, ele foi responsável por mudar completamente a forma com que o clube era gerenciado.


Vale lembrar que o novo diretor era apenas um sociólogo, ou seja, não tinha experiência nenhuma com futebol e não sabia como gerenciar um clube, mas, sua única certeza era de que não dava para continuar com os métodos antigos e conservadores.


Adilson Monteiro Alves e Casagrande - Reprodução / UOL

A questão é: como que o sociólogo cabeça aberta que não tinha experiência futebolística conseguiria mudar a estrutura de um time do tamanho do Corinthians? A resposta estava em um conjunto de jogadores politizados como Sócrates, Casagrande, Wladimir, dentre outros.


Adilson começou o processo conversando e entendendo os jogadores. Após diversos diálogos e análises, surgiu a ideia de que tivesse uma votação com voto igualitário para a tomada de todas as decisões, ou seja, o voto dos funcionários como roupeiros, massagistas ou jogadores tinha o mesmo peso dos dirigentes e técnicos. Então, a partir dessa iniciativa, a democracia foi instaurada no Sport Club Corinthians Paulista e o clube passou a ser comandado por uma autogestão.


As decisões iam desde a escalação e contratações até questões extracampo como viagens, alimentação e coisas da gestão. Uma das escolhas tomadas em conjunto foi que os jogadores casados não precisariam mais ficar em concentração antes dos jogos, pois, por ter esposas e até filhos, eles não iriam fazer nada que comprometesse seu bem-estar pré jogo. Os solteiros ainda eram obrigados a ir ao hotel onde acontecia a concentração. Outra decisão que mudou completamente o cenário, foi a divisão igual das premiações, logo, todos passaram a receber o mesmo valor das premiações justamente porque, no sistema democrático que o Corinthians vivia, todos tinham a mesma importância nas conquistas, ninguém era melhor que ninguém.


Uma escolha feita que deu problema foi em relação ao consumo de álcool em lugares públicos. A questão é que os jogadores podiam ir à bares tranquilamente e não se importavam em aparecer bebendo uma "cervejinha", mas, quando perdiam os jogos, a torcida e a mídia caiam matando no consumo descarado de álcool, alegando que era uma falta de comprometimento.


Sócrates e Afonsinho brindando com cerveja - Reprodução / UOL

Um nome importante para a divulgação da "Democracia Corinthiana" foi o publicitário Washington Olivetto que, além de participar da criação do nome do movimento com o jornalista Juca Kfouri, teve a iniciativa de estampar nas camisas do time propagandas com cunho político como "Diretas Já", "Eu quero votar para presidente", dentre outras. Por serem propagandas contra a Ditadura Militar, causavam desconforto nos militares que, por diversas vezes, ameaçavam o clube e os jogadores.


Logo, analisando o contexto histórico vivido na época, a partir do momento que o Corinthians implantou uma democracia dentro do clube, ele já estava indo contra os ideias que tomavam conta do Brasil. Sabendo da importância que o futebol tem na vida de seus amantes, fica claro que tal movimento foi responsável por abrir os olhos de diversos torcedores, assim contribuindo com a luta pelo fim da ditadura militar.


"Democracia Corinthiana" - Reprodução

O movimento começou a perder força em 1984 quando Sócrates foi para o Fiorentina, na Itália. O jogador já deixara claro que sairia do país caso a votação para as Diretas Já tivesse um resultado negativo.


Todavia, o fim veio em 1985 quando Roberto Páscoa, membro do Arena, partido que apoiava o regime militar, tornou-se presidente do Corinthians após terminar o mandato de Waldemar. Com essa mudança no poder, o movimento perdeu toda sua força e acabou após diversos jogadores saírem do time.


Mesmo assim, a função social que o clube paulista teve nesse período foi importantíssimo na luta pela democracia. Não há dúvidas que o Dr. Sócrates, além de um ótimo jogador, tornou-se um ídolo fora dos gramados para a grande maioria dos torcedores justamente por causa de sua inteligência.


Tal movimento ficou tão marcado na vida dos torcedores que, em junho de 2020, a torcida do Corinthians usou a faixa da "Democracia Corinthiana" para protestar contra Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, e a favor da democracia.


Manifestação 2020 - Reprodução / Lance!

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